Ainda é grande a falta de informações precisas sobre o trabalho que exerce o psicólogo clínico. Para complicar ainda mais essa situação, o psicólogo não executa um trabalho padronizado, ele tem que escolher uma entre as várias abordagens terapêuticas. Muitas destas abordagens são concorrentes entre si, ou seja, cada uma é um corpo distinto de saberes com princípios e técnicas diferentes. Isso torna o campo da psicoterapia uma área mais vasta do que da própria psicologia clínica, já que algumas dessas técnicas, como a hipnose, surgiram na medicina antes mesmo do surgimento da própria psicologia. Os mitos mais comuns, como os do “psicólogo não fala nada”, ou que, “a terapia pode levar mais de dez anos”, são provenientes da psicanálise, uma destas abordagens, e não exatamente da psicologia.
Mas afinal, se existem várias abordagens terapêuticas diferentes e excludentes, o que elas têm em comum?
A resposta a esta pergunta é também o que vai diferenciar o “trabalho psicoterápico” de uma “boa conversa com um amigo”. Vejamos…
Muito do nosso comportamento depende da influência de fatores ambientais, como a cultura, as regras sociais, as regras impostas pela família e até pelo próprio grupo de amigos. Sempre que consultamos nossos pais, ou professores, ou um padre, ou amigos, recebemos como resposta às nossas dúvidas, instruções, opiniões, sugestões e orientações que tentarão influenciar nosso comportamento, baseado na experiência pessoal daquele que “dá o conselho”. Esses conselhos tendem orientar o comportamento a partir de regras sociais, religiosas, ou baseado na experiência própria da pessoa consultada, como um amigo que já passou por uma situação parecida.
Embora essa relação com os pais, amigos, professores e padres tenham sua importância na forma de nós dar uma orientação de acordo com as convicções dessas pessoas e de sua vontade de nos ajudar, elas não nos permitem encontrar uma resposta genuinamente nossa. Por mais que seu melhor amigo o conheça, ou sua mãe, ou irmão, sabemos que todos somos diferentes e por mais que uma pessoa próxima queira nos ajudar com seus conselhos, muitas vezes, cabe a nós mesmo ter que descobrir essas experiências por conta própria. Como o exemplo de um filme, uns dizem que é bom, outros dizem que não é, mas no final, é você que tem que assistir para ter sua própria opinião.
E o que seria diferente, então, numa consulta com um psicoterapeuta?
Bem, a primeira regra fundamental da psicoterapia é a de não analisar as situações a partir de “juízos de valor”. Isto é, jamais julgar as experiências dos pacientes baseado nas suas próprias experiências pessoais, ou naquilo que você acredita ser certo, ou errado, ou no que é socialmente esperado, assim como o fazem seus amigos, pais, padres e professores.
Suspender o julgamento de valores pode ser algo aparentemente simples, mas é uma das mais difíceis tarefas para um ser humano! Por toda sua vida, ele foi acostumado a emitir suas opiniões, suas críticas, fofocar, defender suas idéias, etc. Esta é também a maneira mais básica de se avaliar a competência profissional e técnica de um terapeuta. Se o terapeuta ficar lhe dando instruções e dizendo o que você deve ou não fazer; o que é certo, ou errado; o que você deve ou não escolher, cuidado! Fique bem longe desse tipo de “terapeuta”! Além de você estar jogando dinheiro fora, você pode se afundar ainda mais nos problemas que tenta resolver. Para esse tipo de aconselhamento você pode escolher alguém próximo, com valores semelhantes e que te conhece bastante.
Então, se o psicoterapeuta não vai me dizer o que fazer, o que ele faz?
Imagine o seguinte, você quer ir para um lugar, mas a única coisa que sabe sobre este lugar é o nome de uma rua, ela se chama, Rua Felicidade. Somente com esta informação, sem saber em que cidade fica a rua, em que bairro e qual o número, é praticamente impossível você chegar ao seu destino. Agora saiba que o psicoterapeuta também não tem essa informação, mas ele conhece um conjunto de truques e de estratégias para ajudá-lo a descobrir. À medida que você vai falando sobre o que sabe sobre a Rua Felicidade, o psicoterapeuta vai te fazer algumas perguntas, ele pode te ensinar sobre a função dos endereços, sobre como as ruas são organizadas, e coisas que vão facilitar a sua compreensão sobre localização, pesquisa, orientação.
Pouco a pouco, você passa se localizar melhor, sabendo onde está e para onde que ir. Você vai descobrindo, por conta própria, onde fica a Rua Felicidade, e vai descobrir outros endereços que só você tem acesso. A psicoterapia é direcionada a te ensinar a encontrar a resposta, mas não em te “dar a resposta”, como acontece com os conselhos.
Esta é a função da psicoterapia, ela não te dá o peixe, mas te ensina a pescá-lo. Com o tempo, você aprender a ser tornar uma pessoa com mais autonomia, com mais auto-suficiência, mais dona de si mesma, e se liberta de ter que sempre ficar inseguro e dependente da opinião alheia. Você passa a compreender e entrar em contato com sua própria consciência, a encontrar sua própria bússola interior. É desse modo que deve funcionar os processos de psicoterapia e é assim que ela se diferencia do conselho dos amigos.
É, justamente, por não ser o óbvio, tal como dizer para uma suicida que “ele não vale a pena se matar”, ou para a menina com anorexia que “ela deve comer para não morrer”, que a psicoterapia exige uma formação vigorosa e consistente. Abandonar o velho vício de julgar, se focar na relação dos comportamentos, observar e ter sensibilidade de captar a essência dos dramas pessoais é algo que exige constante prática, estudo, aprendizagem e aperfeiçoamento. Já dar conselhos, é algo que todos nascem sabendo, e por isso ele sempre será “a opinião alheia”.
Dr. Leon Vasconcelos, Psy Ms. psicólogo, jornalista e mestre em saúde coletiva.
Fonte: Comportamento.Net
Um beijo,
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